Neste sábado, a Primavera surgiu cautelosa, como se não acreditasse dominar o ambiente. Em esgares, o sol, que nasce mais tarde do que no Japão, quase conseguia impor-se sobre o jardim das instalações do Clube Nacional de Ginástica, na Parede, Cascais.
O convite foi endereçado para quatro dias depois do debute da Primavera. Convocava para o restaurante Sófia e para o Heiwa Dojo. Motivo: uma Exposição, uma Conferência e um Treino de Aikido. Uma Pintora, três Conferencistas, uma Moderadora, três Professoras: Aikido, no Feminino!
No mês que encerra o Dia da Mulher, a Federação Portuguesa de Aikido, aproveitou a ocasião para realizar um evento gratuito, aberto a ambos os sexos, mas dedicado sobretudo às mulheres. Motivo: ser o género menos representado no universo do Aikido.
Mais uma iniciativa que pretendeu valorizar e impulsionar a prática de Aikido em geral, e do Aikido Feminino em particular. Como é do conhecimento geral, embora as mulheres estejam significativamente representadas na Direcção da FPA, (3 mulheres / 5 homens), p.e., a estatística de praticantes mostra maior défice, (1 mulher em cada 5 praticantes).
O evento proporcionou o enquadramento do tema através de testemunhos e opiniões de praticantes e ex-praticantes, deu a conheceu as relações artísticas que se podem estabelecer entre o Aikido e outras artes e, ainda, promoveu um primeiro contacto aquelas/es que nunca tinha praticado e ajudou ao aperfeiçoamento da prática de quem já tem traquejo.
Exposição, AIKIDO NO FEMININO
A FPA aproveitou uma dessas relações entre artes, e desafiou a pintora Filipa Losada, yudansha ITP, a ceder-nos uma das suas obras para o cartaz do evento. A nossa proposta foi, no entanto, um desafio para a Filipa, que criou propositadamente para este evento a pintura que protagonizou o cartaz do Encontro da Primavera.
Na impossibilidade de expor de outra forma as 24 pinturas de Filipa Losada, enfermeira de profissão e praticante de medicina tradicional chinesa, fizemo-lo em redor da sala, possibilitando estarem sempre presentes durante a Conferência.
Apaixonada desde cedo pelo desenho a lápis e caneta, iniciou-se de uma forma auto-didacta tendo progressivamente evoluído para a ilustração digital e para a pintura em acrílico e aguarela. Na exposição, Filipa Losada apresenta algumas linhas de raciocínio e apontamentos sobre os diversos conceitos de Aikido, que tenta compreender e expressar no papel.
Mais sobre a Filipa, em facebook.com/fililosada
Conferência, AIKIDO NO FEMININO
A Conferencia começou próximo da hora prevista. A FPA estimava receber cerca de 50 pessoas, número de inscritos até ao final da tarde do dia anterior. Registou, porém, a presença de mais de 8 dezenas de participantes. Por tal, muitos foram obrigados a assistir em pé à Conferência.
Todavia, o interesse suscitado pelo tema e pela presença das Conferencistas, Ana Moleiro, Elisabete Jacinto e Joana Duclos, possibilitaram encher a sala com um público interessado e atento. Foi, também por isso, muito gratificante o agradecimento do presidente da FPA, Miguel Sendim, a todos os presentes, em especial às conferencistas, à moderadora, Cristina Lai Men, à pintora, Filipa Losada, e ao CNG representado pelo Sensei Francisco Leotte, responsável pela Heiwa Dojo.
Após as boas-vindas e um breve enquadramento na visão da FPA sobre o tema da Conferência, Miguel Sendim passou a palavra à moderadora, Cristina Lai Men, não sem antes ter destacado em brevíssimas notas, o respectivo curriculum e os das conferencistas.
Logo após, a moderadora apresentou e deu a palavra à conferencista Joana Duclos, convidando-a a dar a sua opinião e testemunho directo sobre o tema, enquanto mulher e professora de Aikido.
Joana Duclos
Começou por evidenciar as dificuldades iniciais que encontrou sobretudo na novidade dos movimentos e nas quedas. Depois, salientou o início da prática com Georges Stobbaerts, figura pioneira do Aikido em Portugal.
Mais à frente, destacou uma experiência diferente devido à orientação do Grupo sob o ensinamento de Mitsugui Saotome Sensei (ASU, Florida, USA). Salientou ainda a ajuda da prática do tapete na conjugação da sua vida familiar e profissional permitindo-a levar a bom termo um doutoramento e mais tarde as suas provas de Agregação da docência universitária.
Concluiu, ressalvando que o Aikido a ajudou nos diversos Caminhos. À sua condição feminina acrescentou ainda a necessidade de uma adaptação a uma situação de prótese, bem como o de reaprender o Aikido para poder transmitir o ensino através de uma experiência vivida em consciência e não de uma forma mecanizada.
Elisabete Jacinto
Estabeleceu uma relação muito estreita entre o seu percurso desportivo e a prática de Aikido, uma vez a competir em motos de todo-o-terreno onde o risco de quedas é bastante elevado, O Aikido, nomeadamente através da prática de ukemis, poder-lhe –ia ser muito útil.
Frisou também as dificuldades iniciais de treino com a novidade da movimentação e com a necessidade de aprender determinados movimentos. Daí a importância, frisou, da educação para o quotidiano, da educação como treino para a vida.
Outro aspecto que mencionou, este mais relacionado com o género, foi o do padrão da “maria-rapaz”, da mulher jovem que fazia actividades ditas masculinas, socialmente limitativo de um universo que sempre havia estado fechado às mulheres, como fosse o conduzir motos e/ou camiões e, até mesmo, praticar Aikido.
Hoje, concluiu, com as mentalidades mais tolerantes, a aposta na prática de Aikido deve começar pelas crianças, pelos mais jovens, pelos rapazes e pelas raparigas, pelas escolas, pelas imagens da prática, pela abertura de mais dojos.
Ana Moleiro
Chegou “acidentalmente” ao Aikido, depois de um percurso de incidentes, que envolveu mudanças de escolas, colégios privados onde se competia por ser melhor do que os outros, numa desenfreada hierarquia de desempenho, e onde o bulling a obrigou a refugiar-se na leitura de uma imensidão de livros.
A novidade da Deai Dance, que surgiu na fase de quarto kyu, veio apelar-lhe aos movimentos de Aikido, introduziu-lhe o ‘zen’ e abriu-lhe a porta para o palco. Do palco, o futuro estava aberto para o Desporto, para o estudo e treino desportivo.
A movimentação do corpo atingiu então a fase do maravilhoso na articulação entre o desporto, a dança e o Aikido, uma diversidade de actividades afinal harmonizável. Ora essa polivalência da mulher, terminou, estende-se não só às actividades exteriores, mas também às actividades domésticas.
Finda a fase de exposição, passou-se a um período de perguntas e respostas da audiência, cujo primeiro desafio se prendeu com a multiplicidade de papéis da mulher, como mãe, esposa, profissional, desportista, e como articular tudo isso enquanto mulher.
Elisabete Jacinto salientou a importância da gestão do tempo, sobretudo quando as mulheres têm actividades a que dedicam muita da sua energia e, por vezes, são mesmo o centro da sua vida. Joana Duclos contou com a experiência de vida para enfatizar a necessidade de existir uma partilha de tarefas, sobretudo em situações de mudança.
A pergunta/sugestão seguinte foi directamente a uma das questões que motivaram a Conferência: dada a escassez de meninas na prática de Aikido, e sabendo que estas ainda não muitos compromissos nesta idade, não seria de actuar junto dos pais, por forma a cativá-las para o Aikido?
Elisabete Jacinto reconheceu que, embora as mentalidades já tenham mudado certos estereótipos, as raparigas ainda se defendem muito da carga negativa que socialmente algumas actividades desportivas ainda manifestam. Por seu turno, Joana Duclos alertou para a actualidade de múltiplas solicitações, onde as novas tecnologias e as redes sociais têm ganho espaço à autoridade dos pais e aumentado a permissividade dos pais. Terminou, salientando que a procura de prazer também pode ser encontrada no dojo.
A Conferência fechou com um agradecimento especial do presidente da FPA e com a entrega de lembranças deste Encontro às Conferencista, à Moderadora e à pintora. Logo após, a assembleia foi convidada para um Porto de Honra e convocada para o treino que teria lugar no Heiwa dojo.
Treino
Desta feita, o treino seria dado exclusivamente por professoras. Ofélia Mascarenhas, A.A.S., Joana Duclos, da A.P.A.D.A. e Alexandra, da B.A.C.A., seriam as Senseis convidadas a dar uma aula, que contemplaria praticantes de Aikido com muita experiência e estreantes na Arte de ambos os sexos.
O treino teve início, logo após a fase de aquecimento, ministrada por Ofélia Mascarenhas. Percorremos um périplo de exercícios que contemplam uma preparação do corpo para a movimentação subsequente e para a execução das técnicas posteriormente propostas.
Joana Duclos
Optou por movimentos simples e princípios básicos de Aikido, convidando a sentir o outro e a dirigir a energia do “uke” de maneira suave e controlada, a partir de "Ai Hanmi Katate Dori."
À medida que “uke” e “tori” iam experimentando esse controlo de energia e se iam movimentando, Joana Duclos deu continuidade à movimentação, que depois poderia culminar em "Shio nage", "Ikio" ou "Kotegashi", porém, a executar ao ritmo da respiração e com uma subtileza correspondente.
Alexandra Lopes
Deu continuidade à sua antecessora, começando com simples movimentos de "tenkan" a partir de "gyako katate dori", salientando a utilidade do “do” e a importância da criação de tensão para, mais à frente, culminar em "tai no enko".
Daí, levou-nos a executar novo "tenkan" e a evoluir para "ikio", "omote" e "ura", sempre executados a um ritmo calmo, harmonioso e eficaz. Com base na mesma movimentação, a proposta seguinte foi para, logo após inicial o movimento para "ikio" esse fosse revertido para "irimi" e culminasse em "nage".
Ofelia Mascarenhas
Propôs-nos trabalhar em "yokomen", primeiro a finalizar em "kotegashi", alertando para a movimentação em harmonia com o "uke", depois para o controlo baixo do punho deste, para terminar com a justeza e energia da projecção.
A partir do mesmo ataque em yokomen, Ofélia Mascarenhas propõs a execução de um shio nage, onde ponderou a presença de um "atemi" e salientou a necessidade de desequilibrar e controlar o "uke", exigências básicas mas derradeiras de uma boa técnica.
A prática terminou no horário previsto, com tempo ainda para o presidente da FPA agradecer o contributo das três professoras e do Sensei Francisco Leotte, ACPA, responsável pelo Heiwa Dojo, aos quais foram oferecidas lembranças do evento.
Após as fotografias da praxe, o evento terminou cerca das 19 horas. Juntou meia centena de pessoas em cima do tapete, entre estreantes e experientes. A Conferência e a Exposição contaram com mais de oito dezenas de participantes tendo estado presentes 33 mulheres, cerca de 43 por cento dos presentes.
Estiveram representadas 8 Associações, entre praticantes da AAS (13), da ACAT (2), da ACPA (21), da APADA (17), da BACA (1), ITP (2), UNBU (1), UPA (2), e ainda 11 participantes não federadas e alguns inscritos como singulares.
A dar continuidade ao projecto que levou a FPA a realizar este Encontro, os próximos passos levarão à formação de uma equipa de trabalho que possa desenvolver o Aikido em Portugal, nomeadamente o Aikido no Feminino. Resta-nos agradecer a presença de todos e fazer votos para que o evento possa ser repetido, melhorado e possibilite uma maior abrangência de aikidocas, sobretudo de mulheres.
Finalmente, remeto-vos para o facebook da FPA, onde poderão apreciar oportunamente o vídeo do evento.